Comunidades no Ceará e Rio Grande do Norte denunciam: instalação de usinas eólicas virou salvo-conduto para destruição de dunas, lagoas e vegetação.
Da casa pobre, sem eletricidade, o pescador José Nazário da Silva, de 49 anos, vê os cataventos gigantes, cravados nas dunas de Canoa Quebrada, em Aracati
(CE). Os geradores de energia eólica estão a 300 metros para lembrar o
pescador do desmatamento que marcou a chegada da usina e dos empregos que a empresa não trouxe para a região. Do outro lado da cidade, no Cumbe, o catador de caranguejos Ronaldo Gonzaga,
de 32 anos, aponta para os cabos de energia expostos no Parque Eólico
Aracati, com 67 torres, e mostra dunas destruídas por estradas e lugares
de onde sítios arqueológicos foram removidos para dar lugar à geração
de energia.
A reportagem é de Wilson Tosta e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 02-06-2013.
A 250 km dali, conselheiros da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Ponta do Tubarão (RN) exibem uma lagoa seca. A água foi retirada para a construção das eólicas Alegria II e Miassaba II, plantada sobre um talude construído em uma restinga, que dificultou o acesso ao mar.
Considerada ambientalmente limpa, por não emitir gases-estufa em sua
produção, a energia eólica virou alvo de protestos de moradores de
pequenas comunidades, sobretudo no litoral do Ceará e do Rio Grande do Norte.
Eles acusam as novas usinas de usar a alegação de produzir energia
ecologicamente correta como pretexto para aterrar dunas, derrubar matas,
fechar praias, secar lagoas. Os empregos prometidos, segundo
eles, até hoje não apareceram. E, como anfitriões das usinas, os
moradores dizem nunca ter recebido compensações significativas e
compatíveis com os danos que elas causam ao seu redor.
Estudioso dos conflitos socioambientais ao longo da zona costeira, o professor Jeovah Meireles, da Universidade Federal
do Ceará, questiona até que ponto a energia eólica pode ser considerada
ecologicamente correta, pelo menos da forma como tem sido implantada em
alguns pontos do Brasil. "Que energia limpa é essa?", pergunta.
"Primeiro, não estamos pagando menos. Toda a energia está saindo daqui e
não temos o menor benefício com isso", diz o professor. "É a
monocultura eólica", diz, em referência às plantações de cana-de-açúcar
que dominaram a região por séculos.
Um giro pelas estradas da região do litoral cearense e potiguar mostra que a declaração de Meireles
vai além da força de expressão. As torres de eólicas tomaram conta da
paisagem do litoral nordestino. É assim, por exemplo, na RDS Ponta do
Tubarão, uma zona de exploração sustentável criada em 2003 após quase
uma década de mobilização de ativistas e moradores - inicialmente,
contra uma tentativa de estabelecer um resort, depois contra a criação
de camarões em cativeiro em manguezais. Quem avança pelo Rio Tubarão vê
as torres girando dos dois lados. São as usinas de Miassaba II e Alegria II. Há outras perto.
Os problemas relatados por moradores na Ponta do Tubarão são muitos. A Lagoa do Carnaubal,
por exemplo, resistiu à seca, mas não à construção das eólicas. "Aqui
era uma lagoa. Para fazer a estrada, tiraram muita água dela, com
carros-pipa. O resultado é que a lagoa secou", diz Luiz Ribeiro,
conselheiro da RDS. Ele conta que, diariamente, tiravam mais de 20
carros-pipa dali. A queixa não é isolada. Em outros pontos do Nordeste,
há denúncias de aterramento de lagoas e uso predatório da água pelas
construtoras que montam as eólicas.
Em um relatório de 2009, o Conselho Gestor da RDS potiguar, traz uma
lista de pontos que deveriam ser considerados para concessão de licença
prévia. Entre eles, está o impacto "ambiental no que diz respeito ao
movimento de terra e aterramento das lagoas e das dunas".
Outro ponto que chama a atenção na Ponta do Tubarão é
o talude de dois metros, erigido na restinga, onde o areal entre o
"rio" e o mar foi estabilizado e recebeu a fila de torres. A "muralha"
dificulta o trabalho dos pescadores. Eles dizem que ficou muito difícil
voltar do mar com o balaio de peixes nas costas e escalar o "muro".
Recentemente, fizeram acessos para facilitar a subida, considerados
insuficientes pelos pescadores.
Pescaria
Ao leme do barco que avança pelo Rio Tubarão, Luiz Luna Filho,
pescador há 25 anos, reclama das mudanças na restinga. "Isso aqui era
cheio de dunas. Mexeram tanto que, em alguns lugares, o pescador não
consegue mais puxar a rede", afirma, referindo-se à rede com três malhas
diferentes, típica da região. "Fica difícil a pescaria assim." Segundo
ele, alguns animais e pássaros sumiram. A causa provável é o barulho dos
aerogeradores, um zumbido surdo e constante. O relatório do Conselho
Gestor já alertava em 2009 que parte do projeto do Parque Eólico
Miassaba estava dentro de uma área de desova de tartarugas marinhas e de
circulação de pescadores.
Outra pesquisa anterior à instalação de eólicas falava dos sítios
arqueológicos na região das usinas. O local começou a ser ocupado com a
chegada dos primeiros pescadores marisqueiros entre 5 mil e 6 mil anos
atrás. Arqueólogos da região recomendaram "a não execução de
empreendimentos de qualquer natureza nesse trecho". A Bons Ventos, porém, contratou outros arqueólogos, que retiraram mais de 40 mil peças, encaminhadas ao Museu Câmara Cascudo, no Rio Grande do Norte, e pôs de pé as usinas.
O professor João Luiz do Nascimento, o João do Cumbe,
é um dos principais líderes dos protestos contra os danos causados
pelas usinas. Ele já liderou três bloqueios na região, um deles por 19
dias. Uma das principais queixas são os empregos prometidos. "Chegaram
dizendo que iam gerar 1,5 mil empregos. Não tem 600 pessoas lá." O
professor diz ter sofrido uma tentativa de sequestro por estar à frente
dessa causa. Ele foi incluído no Programa de Proteção às Defensoras e
Defensores de Direitos Humanos do governo federal e se afastou da
comunidade.
A percepção de que a chegada das eólicas é negativa, contudo, não é
unânime. Em algumas comunidades, um número maior de pequenos
proprietários passou a alugar terrenos para a instalação das torres, o
que mexeu com a economia local, que passou a receber o que antes quase
não tinha: dinheiro. "A terra não produzia nada. Hoje eles alugam.
Melhorou a situação", diz a comerciante Maria do Socorro Miranda, vestida com uma camisa da eólica de Alegria.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520611-energia-limpa-e-alvo-de-ambientalistas
FLECHEIRAS - Palavra indígena derivado de FLECHA - com significado de "MULHERES GUERREIRAS" ou "Mulheres atiradoras de Flechas" Linda por natureza, um paraíso, que vem sofrendo a destruição de suas dunas e outros ecossistemas... uma prova disso é observar seu magnífico campo de dunas, hoje modificado para implantação de cataventos gigantes,sem ouvir o apelo da comunidade que gritava... EÓLICAS NAS DUNAS NÃO!!
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quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Parques eólicos desestruturam a dinâmica ambiental e ecológica do litoral. Entrevista especial com Antônio Jeovah de Andrade Meireles
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/522069-parques-eolicos-desestruturam-a-dinamica-ambiental-e-ecologica-do-litoral-entrevista-especial-com-antonio-jeovah-de-andrade-meireles
“Os parques eólicos estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores”, alerta o geógrafo.
Confira a entrevista.
Considerada pelos especialistas uma fonte renovável, a energia
eólica, que não emite gases de efeito estufa durante sua operação, tem
sido objeto de estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, entre eles, Antônio Jeovah de Andrade Meireles, após serem identificados impactos ambientais por conta do funcionamento e instalação dos parques eólicos na região litorânea. Em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, o geógrafo apresenta os primeiros resultados
das pesquisas que verificaram impactos socioambientais na região
nordeste, onde estão instalados parques eólicos. De acordo com ele, “no
processo de instalação dos aerogeradores, são construídas várias vias de
acesso sob o campo de dunas móveis,
as quais soterram sistemas lacustres. Como as dunas são móveis, elas
estão passando por um processo de fixação artificial. Então, num
primeiro momento, definimos
que os parques eólicos não geram impactos pontuais, mas impactos que
desestruturam a dinâmica ambiental e ecológica de um campo de dunas que,
no Ceará, tem mais de 500 quilômetros de extensão”. Os impactos
ambientais, esclarece, “estão relacionados à completa desestruturação
morfológica, à mudança na paisagem dos campos de dunas, e ao
soterramento das lagoas costeiras. Há uma completa desestruturação
morfológica, porque as dunas estão perdendo sua formação natural, sua mobilidade, e consequentemente perde-se a função de amenizar processos erosivos”.
Meireles acentua o potencial energético dos parques eólicos, mas adverte que eles devem ser instalados em áreas adequadas. Além disso, propõe um investimento “genuinamente” público. E questiona: “Por que não se constroem parques eólicos para, num primeiro momento, levar energia limpa a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado das suas residências? (...) A energia pública, limpa e voltada para a produção comunitária seria uma alternativa extremamente importante e produziria um efeito ambiental e social que conduziria realmente a uma produção sustentável de energia”.
Antônio Jeovah de Andrade Meireles é doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona, professor do Departamento de Geografia e dos Programas de Pós-graduação em Geografia e em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará – UFC.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor mencionou recentemente que a instalação dos parques eólicos leva em conta apenas a dimensão econômica, ignorando os custos ambientais desses projetos. Qual é o custo ambiental?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Nós estamos
elaborando uma série de estudos relacionados aos impactos
socioambientais dos parques eólicos no Ceará. Em relação aos parques que
estão sendo implementados na zona costeira, estamos analisando a forma
de instalação dos aerogeradores
e os impactos ambientais desse sistema. No processo de instalação dos
aerogeradores são construídas várias vias de acesso sob o campo de dunas
móveis, as quais soterram sistemas lacustres. Como as dunas são móveis,
elas estão passando por um processo de fixação artificial. Então, num
primeiro momento, definimos que os parques eólicos não geram impactos
pontuais, mas de impactos que desestruturam a dinâmica ambiental e
ecológica de um campo de dunas, o qual, no Ceará, tem mais de 500
quilômetros de extensão.
Os impactos ambientais estão relacionados à completa desestruturação morfológica, à mudança na paisagem dos campos de dunas e ao soterramento das lagoas costeiras. Há uma completa desestruturação morfológica, porque as dunas estão perdendo sua formação natural, sua mobilidade, e consequentemente perde-se a função de amenizar processos erosivos.
Outra análise diz respeito aos impactos cumulativos. O potencial eólico do Ceará é imenso, de 60 mil megawatt só na planície costeira, mas os parques estão sendo implantados sem análise cumulativa. Quer dizer, o que significa a liberação de licenciamento de um parque eólico, diante do potencial de se instalar 10 ou 20% do potencial eólico do estado, o que equivaleria a duas, três ou quatro mil cata-ventos aerogeradores? Com isso, já construímos outra discussão de como o Estado irá se preparar do ponto de vista estratégico, ambiental e social para a implantação dessa indústria que produz energia eólica, que é muito importante.
O estado do Ceará deve se preparar no sentido de formular políticas públicas que possam definir alternativas tecnológicas para a produção dessa energia. Há uma série de outros impactos que não estão sendo analisados, como os sociais. Os aerogeradores, e toda a área ocupada por eles, geram riscos de morte. Eles ficam em áreas privatizadas, aquelas relacionadas ao usufruto de comunidades tradicionais e comunidades de pescadores. Estamos observando também que os aerogeradores estão sendo construídos em áreas de intensa dinâmica das praias. Para se ter ideia, os parques estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores. Já foram construídos muros com blocos de rochas para protegê-los. Além disso, os parques estão sendo construídos em manguezais, dentro de áreas que deveriam ser investidas para potencializar a biodiversidade, uma vez que o sistema manguezal tem uma relação muito estreita com a soberania alimentar dos povos e comunidades tradicionais. Além disso, há os impactos sociais, como a gravidez precoce, o subemprego, porque os parques não geram emprego para as pessoas da comunidade. Centenas de trabalhadores chegam de uma hora para a outra nas comunidades, as quais não estão preparadas para recebê-los, não sabem o que vai acontecer, não têm acesso à informação. Então, cada processo de licenciamento ambiental se fundamenta na inequidade, e não no contrário, na necessidade de equidade socioambiental.
IHU On-Line – As consequências verificadas nesses parques eólicos podem ser aplicadas a outros parques instalados em regiões litorâneas?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Sim, podem ser verificadas também nos parques que estão sendo instalados na Bahia, os quais têm problemas seríssimos com prostituição infantil. Os filhos de mulheres das comunidades que se relacionam com trabalhadores que chegam à região são chamados de filhos do vento. No Rio Grande do Norte, dunas e áreas de turismo estão sendo fortemente impactadas.
Consideramos essa fonte energética importante, mas ela deve ser genuinamente pública. Por que não se constroem parques eólicos para, num primeiro momento, levar energia limpa a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado das suas residências? Em algumas comunidades, os aerogeradores ficam muito próximos das casas, a 50 ou 60 metros. Os moradores definiram que o barulho dos aerogeradores como um avião que nunca pousa, por conta do barulho constante. Então, a energia pública, limpa e voltada para a produção comunitária seria uma alternativa extremamente importante e produziria um efeito ambiental e social que conduziria realmente a uma produção sustentável de energia.
IHU On-Line – Diante dos impactos ambientais apontados, ainda é viável investir em parques eólicos no país?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É viável, claro! Desde que se leve em conta condições para se definir áreas mais adequadas, para se produzir uma energia pública com qualidade.
IHU On-Line – Como os parques eólicos têm modificado as regiões onde estão instalados? Quais são as reclamações dos moradores que vivem no litoral cearense?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Reclamam da utilização e do domínio inadequado de seus territórios, os quais produzem soberania alimentar. Esses territórios estão sendo utilizados e privatizados, minimizando o acesso das comunidades aos locais de pesca, de mariscagem, de lazer. Então, para você ter ideia, algumas indústrias entram com pedido judicial para não pagarem impostos municipais, ICMS... E há também um processo de desinformação: as comunidades não têm informação sobre a área que será utilizada para a implantação dos parques eólicos, nem sobre a forma como eles serão instalados ou quanto tempo ficarão sem acessar as áreas etc.
IHU On-Line – Como o senhor vê a decisão de o governo abrir mão da expansão da matriz energética com base apenas em fontes limpas? Qual o significado dessa mudança no planejamento do plano decenal de energia?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É uma situação complicada, porque o governo acaba investindo, por exemplo, em energia movida a óleo diesel, a energia derivada de petróleo, em energia movida a carvão mineral. Potencializar a matriz energética à base de petróleo e carvão mineral nos levará a colapsos ambientais, climáticos, gerando cenários de injustiça ambiental.
“Os parques eólicos estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores”, alerta o geógrafo.
Confira a entrevista.
Foto: http://www.portaldomar.org.br |
Meireles acentua o potencial energético dos parques eólicos, mas adverte que eles devem ser instalados em áreas adequadas. Além disso, propõe um investimento “genuinamente” público. E questiona: “Por que não se constroem parques eólicos para, num primeiro momento, levar energia limpa a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado das suas residências? (...) A energia pública, limpa e voltada para a produção comunitária seria uma alternativa extremamente importante e produziria um efeito ambiental e social que conduziria realmente a uma produção sustentável de energia”.
Antônio Jeovah de Andrade Meireles é doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona, professor do Departamento de Geografia e dos Programas de Pós-graduação em Geografia e em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará – UFC.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor mencionou recentemente que a instalação dos parques eólicos leva em conta apenas a dimensão econômica, ignorando os custos ambientais desses projetos. Qual é o custo ambiental?
Foto: http://impactodastecnologias.webnode.pt |
Os impactos ambientais estão relacionados à completa desestruturação morfológica, à mudança na paisagem dos campos de dunas e ao soterramento das lagoas costeiras. Há uma completa desestruturação morfológica, porque as dunas estão perdendo sua formação natural, sua mobilidade, e consequentemente perde-se a função de amenizar processos erosivos.
Outra análise diz respeito aos impactos cumulativos. O potencial eólico do Ceará é imenso, de 60 mil megawatt só na planície costeira, mas os parques estão sendo implantados sem análise cumulativa. Quer dizer, o que significa a liberação de licenciamento de um parque eólico, diante do potencial de se instalar 10 ou 20% do potencial eólico do estado, o que equivaleria a duas, três ou quatro mil cata-ventos aerogeradores? Com isso, já construímos outra discussão de como o Estado irá se preparar do ponto de vista estratégico, ambiental e social para a implantação dessa indústria que produz energia eólica, que é muito importante.
O estado do Ceará deve se preparar no sentido de formular políticas públicas que possam definir alternativas tecnológicas para a produção dessa energia. Há uma série de outros impactos que não estão sendo analisados, como os sociais. Os aerogeradores, e toda a área ocupada por eles, geram riscos de morte. Eles ficam em áreas privatizadas, aquelas relacionadas ao usufruto de comunidades tradicionais e comunidades de pescadores. Estamos observando também que os aerogeradores estão sendo construídos em áreas de intensa dinâmica das praias. Para se ter ideia, os parques estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores. Já foram construídos muros com blocos de rochas para protegê-los. Além disso, os parques estão sendo construídos em manguezais, dentro de áreas que deveriam ser investidas para potencializar a biodiversidade, uma vez que o sistema manguezal tem uma relação muito estreita com a soberania alimentar dos povos e comunidades tradicionais. Além disso, há os impactos sociais, como a gravidez precoce, o subemprego, porque os parques não geram emprego para as pessoas da comunidade. Centenas de trabalhadores chegam de uma hora para a outra nas comunidades, as quais não estão preparadas para recebê-los, não sabem o que vai acontecer, não têm acesso à informação. Então, cada processo de licenciamento ambiental se fundamenta na inequidade, e não no contrário, na necessidade de equidade socioambiental.
IHU On-Line – As consequências verificadas nesses parques eólicos podem ser aplicadas a outros parques instalados em regiões litorâneas?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Sim, podem ser verificadas também nos parques que estão sendo instalados na Bahia, os quais têm problemas seríssimos com prostituição infantil. Os filhos de mulheres das comunidades que se relacionam com trabalhadores que chegam à região são chamados de filhos do vento. No Rio Grande do Norte, dunas e áreas de turismo estão sendo fortemente impactadas.
Consideramos essa fonte energética importante, mas ela deve ser genuinamente pública. Por que não se constroem parques eólicos para, num primeiro momento, levar energia limpa a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado das suas residências? Em algumas comunidades, os aerogeradores ficam muito próximos das casas, a 50 ou 60 metros. Os moradores definiram que o barulho dos aerogeradores como um avião que nunca pousa, por conta do barulho constante. Então, a energia pública, limpa e voltada para a produção comunitária seria uma alternativa extremamente importante e produziria um efeito ambiental e social que conduziria realmente a uma produção sustentável de energia.
IHU On-Line – Diante dos impactos ambientais apontados, ainda é viável investir em parques eólicos no país?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É viável, claro! Desde que se leve em conta condições para se definir áreas mais adequadas, para se produzir uma energia pública com qualidade.
IHU On-Line – Como os parques eólicos têm modificado as regiões onde estão instalados? Quais são as reclamações dos moradores que vivem no litoral cearense?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Reclamam da utilização e do domínio inadequado de seus territórios, os quais produzem soberania alimentar. Esses territórios estão sendo utilizados e privatizados, minimizando o acesso das comunidades aos locais de pesca, de mariscagem, de lazer. Então, para você ter ideia, algumas indústrias entram com pedido judicial para não pagarem impostos municipais, ICMS... E há também um processo de desinformação: as comunidades não têm informação sobre a área que será utilizada para a implantação dos parques eólicos, nem sobre a forma como eles serão instalados ou quanto tempo ficarão sem acessar as áreas etc.
IHU On-Line – Como o senhor vê a decisão de o governo abrir mão da expansão da matriz energética com base apenas em fontes limpas? Qual o significado dessa mudança no planejamento do plano decenal de energia?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É uma situação complicada, porque o governo acaba investindo, por exemplo, em energia movida a óleo diesel, a energia derivada de petróleo, em energia movida a carvão mineral. Potencializar a matriz energética à base de petróleo e carvão mineral nos levará a colapsos ambientais, climáticos, gerando cenários de injustiça ambiental.
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